29.06.2015 / Crônicas
A arte da boa convivência

Dos ensinamentos de dona Esther Paschoal, uma avó que nunca precisou tirar objetos de arte e tapetes persas do convívio de seus netos (eles tinham que “se comportar”), ficou-se a conclusão de que ter cerimônia contribui muito para o bem dos relacionamentos.

Ela não gostava de música americana, não deixava os ombros de fora, acordava, vestia-se elegantemente e calçava um sapatinho colorido de salto (verde ou vinho eram suas cores preferidas). Odiou quando inventaram as Havaianas. Sempre advertiu: “Bote uma sandália decente, pois nunca se sabe quem vamos encontrar na rua”. Isso muito antes de as celebridades adotarem as legítimas para frequentarem restaurantes chiques.

Falava baixo e com firmeza e orgulhava-se por ter escolhido um vaso chinês a um colar de pérolas de duas voltas quando um admirador lhe ofereceu um presente. Era mais moderno. Exalava sensualidade mesmo aos 80 anos. Dizia que os homens preferiam as vestidas às despidas, pois o mistério revelado a dois era íntimo, pessoal e intransferível. Por isso usava maiô, já que achava que nem todas tinham corpo adequado ao biquíni, no que, verdade seja dita: estava certíssima.

A conclusão de esses e outros exemplos de seu comportamento me levaram a criar a frase que, vira e mexe, repito para meu marido, amigos e parentes: “Finge que não tem intimidade comigo”. A intimidade, saber lidar com ela sem cair no campo do abuso, fere os relacionamentos. O que é para ser bom pode ser transformado num péssimo negócio. É como usar uma máquina se não sabemos como manipulá-la. Ter sum supercomputador e só conseguir ir até os passos Arquivo/Abrir.

Finge que não tem intimidade.

Quando não temos essa liberdade, muitas vezes respeitamos bem mais quem está diante de nós. Não gritamos com um estranho – a não ser em casos extremos de destempero, isso dificilmente acontecerá. Quando temos uma certa cerimônia, mostramos o nosso melhor, tentamos ser atraentes, só revelamos a nossa boa face, contemos impulsos de sinceridade e procuramos sorrir mais. Dificilmente somos antipáticos com quem não conhecemos muito bem. Ajeitamos rapidamente os cabelos e até treinamos uma expressão vivaz no banheiro dos restaurantes, para voltarmos ótimos para a mesa. Isso porque intimidade é para os íntimos, como o nome diz.  Vamos fazer bom uso dela.